A exposição virtual "Cavalgada à Pedra do Reino" foi produzida pelo aluno do curso de História: Memória e Imagem Guilherme Trancozo Aguilar, orientado por Luiz Geraldo Silva, professor do Departamento de História da UFPR, e co-orientado por Bruna Marina Portela, historiadora do MAE-UFPR. Trata-se de um trabalho cuidadoso realizado com fontes textuais, jornais e fotografias sobre a Cavalgada à Pedra do Reino, evento que acontece todos os anos na cidade de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco.
O MAE UFPR, enquanto museu universitário, atua em parceria tanto com a comunidade externa, como também interna à universidade. A aproximação com estudantes da graduação e da pós-graduação se dá em diferentes esferas, desde a atuação destes enquanto bolsistas até a elaboração de monografias, dissertações e teses sobre o acervo e os produtos do MAE. Agora inauguramos um novo tipo de parceria com estudantes: o acolhimento de exposições resultantes de trabalhos de conclusão de curso.
A exposição “Cavalgada à Pedra do Reino” dialoga diretamente com o acervo de Cultura Popular do MAE, formado por coleções que representam diferentes manifestações culturais brasileiras, incluindo as Cavalhadas de Palmas e Guarapuava, no Paraná, que se assemelham em alguns aspectos com a Cavalgada à Pedra do Reino de Pernambuco. Com a inauguração dessa exposição virtual, o MAE UFPR amplia a discussão sobre cultura popular e abre espaço para novos debates e diálogos sobre seu acervo. Fica agora o convite para navegar pela exposição e conhecer mais sobre essa instigante festividade brasileira.
A exposição Cavalgada à Pedra do Reino tem como tema o evento homônimo, realizado anualmente, no sertão do Pajeú, município de São José do Belmonte, Pernambuco. Esta festividade rememora, entre outras coisas e fenômenos, o episódio sebastianista que houve na então comunidade do Reino Encantado da Pedra Bonita, entre os anos 1836 e 1838. Promovida desde 1993, e desde 1995 sempre no último domingo de maio, a Cavalgada parte do centro de Belmonte com destino, 30 quilômetros caatinga à dentro, ao que hoje é o sítio histórico da Pedra do Reino. Esta celebração cultural atrai muitos turistas, pois é o principal evento da cidade, conhecida como a “Terra da Pedra do Reino”. No entanto, compreendê-la historicamente em sua totalidade, ao menos de maneira mais ampliada e recuada, requer algumas viagens ao passado.
Primeiramente, o evento relê o fenômeno do sebastianismo: a crença no retorno do rei português D. Sebastião, desaparecido em 1578. Em segundo lugar, rememora fatos e fenômenos da década de 1830, período regencial no Brasil. Em terceiro lugar, a Cavalgada dialoga com expressões lúdicas e literárias, abordadas a partir do Movimento Armorial e de Ariano Suassuna, nos anos 1970, no Recife. Por fim, a Cavalgada relê e reinterpreta a si mesma a cada ano. Desse modo, o objetivo da exposição “Cavalgada à Pedra do Reino” é plasmar essas quatro distintas temporalidades, a saber, séculos XVI, XIX, XX e XXI, que permeiam o evento, enquanto um objeto de estudo de pesquisa histórica.
Dom Sebastião nasceu dia 20 de janeiro de 1554, já com o codinome de “O Desejado”. Era o único legítimo herdeiro da coroa portuguesa, e, portanto, havia sobre ele a esperança de retomar um certo “destino glorioso” do império, que havia perdido recentemente algumas conquistas no norte da África. Cresceu apreendendo uma educação religiosa severa voltada para a guerra cristã.
A desastrosa tentativa de conquista territorial conduzida por D. Sebastião em 1578, no norte da África (atual Marrocos), na batalha de Alcácer Quibir, é determinante. O “Desejado” retoma modos da reconquista cristã da Península Ibérica; mas os tempos já eram outros, e o rei não mais liderava o exército nas batalhas. Seu sumiço é crucial! Com a morte de Dom Sebastião, um tempo de crise se inicia no reino português, que fica sem um rei, e de 1580 a 1640 será incorporado à Espanha no que ficou conhecido como União Ibérica. No plano do mito, é o momento em que narrativas messiânicas ganham novos contornos, e o mito sebastianista surge com força: a imagem de um encoberto redentor, restaurador de dias de glória. Para os portugueses dos anos 1630, ser sebastianista significava, independentemente de se falar ou crer na volta efetiva de um rei desaparecido, apoiar a autonomia, a independência, a restauração de Portugal.
Um importante difusor do mito, já com a roupagem sebastianista, é Antônio Vieira (1608, Lisboa, Portugal – 1697, Salvador, Bahia). Vieira foi um padre jesuíta que pregava histórias sobre a consagração de um V Império Mundial, e que Dom Sebastião voltaria para assumir tal trono. Nada explica por si só a longevidade do sebastianismo. Como todo mito, é impossível encontrar a origem. O fato é que, de alguma maneira, e por variadas releituras, o sebastianismo veio se manifestar no Brasil Império, no início do século XIX.
Uma das manifestações do sebastianismo no Brasil Império foi a comunidade que ficou conhecida como o Reino Encantado da Pedra Bonita. Geograficamente, estamos no sertão pernambucano, atual Município de São José do Belmonte. Lugar onde, na primeira metade do século XIX, aconteceu algo chocante! Em 1836, um mameluco chamado João Antônio começa a propagar pela região que El Rei Dom Sebastião estaria encantado, com muitas riquezas guardadas, em um monumento natural, e vai reunindo seguidores e prosélitos.
Os seguidores de João Antônio eram gente simples da região, que trabalhavam nas grandes fazendas, pessoas pobres que viam naquela comunidade uma esperança de melhoria de vida. Preocupados com a agitação que a suposta seita estava causando entre as pessoas, autoridades intercedem, e João Antônio se retira. Porém, seu cunhado, João Ferreira, auto proclama-se o novo rei da Pedra Bonita, e é durante seu reinado que se darão grandes horrores. Em maio de 1838, começam as práticas mais terríveis. A fim de agradar Dom Sebastião e demonstrar a fé em seu retorno, o rei João Ferreira convence as pessoas a se sacrificar; pois somente regando a Pedra com sangue é que El Rei voltaria. Os seguidores não se importavam em matar ou morrer. Dezenas de crianças, adultos, e, também animais, são sacrificados.
A notícia da recente barbaridade chega até a fazenda do major Manuel Pereira, que reúne uma pequena tropa e marcha rumo à Pedra, onde curiosamente é recebido aos gritos de “Viva o Rei dom Sebastião”. Mas logo se trava batalha e tudo é aniquilado. Há, no confronto, mortos de ambos os lados. Meses depois o missionário Padre F. J. Correa vai ao local sepultar os mortos e, segundo consta, teria desenhado (vide vídeo da fonte num. 2 do século XIX) um mapa síntese do Reino Encantado da Pedra Bonita e de como funcionavam os sacrifícios. A repercussão do trágico episódio nos periódicos da época foi, naturalmente, de horror. A primeira história escrita sobre os sebastianistas da Pedra Bonita é o relato de Antonio Attico Souza Leite, que visitou a região em 1874.
Ariano Suassuna (1927-2014) foi um escritor paraibano radicado no Recife, onde fez carreira como professor, intelectual e, sobretudo, dramaturgo. Em 1958, atordoado com a morte do pai, que havia sido assassinado em 1930, o autor se depara com o texto de Áttico, e inicia o livro o Romance d’a Pedra do Reino Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta, que será publicado apenas em 1971.
De acordo com Débora Cavalcantes de Moura (2002), percebe-se grande tom autobiográfico entre sua trajetória pessoal e a de Quaderna, o narrador protagonista. Ambos perdem entes queridos, e buscam uma realização pessoal intelectual. Suassuna ressuscita “o mundo aventureiro e cavalheiresco dos romances de cordel”, empregando transrealismo ao mesclar personagens com pessoas reais, criando uma realidade híbrida e ambígua. Quaderna simplesmente acreditava ser o grande Gênio da Humanidade!
No plano da ficção, Suassuna consegue inverter o prisma da recepção social que a Pedra Bonita havia causado em 1838. Percebemos que a comunidade em torno da Pedra Bonita recebe aquela história de sebastianismo com horror, produzindo reações abjetas. O romance de Suassuna atua como um conversor do pêndulo da receptividade, e inverte a chave para outra forma de recepção, mais favorável, festiva, folclórica e cultural. Depois da publicação do Romance em 1971, a imagem de horror da Pedra Bonita vai dando lugar à imagem aventureira da Pedra do Reino.
Um ano antes de lançar seu romance, em outubro de 1970, Ariano Suassuna lança no Recife o Movimento Armorial. A proposta era resgatar raízes de manifestações populares através de uma cultura erudita nacional, de raízes ibéricas. O Romance d’A Pedra do Reino é a principal obra, mas não a única. O movimento Armorial também atuou no âmbito da pintura, do teatro e da música.
Procurando recuperar aspectos de um medievo brasileiro nordestino, o movimento promove, no âmbito musical, composições com instrumentos antigos como o Clavicórdio, a Rabeca, e a Viola de Arco. A música erudita que conjuntos como o Quinteto Armorial produziu versavam sobre temas populares do folclore nordestino, como o reisado, o bumba meu boi, mamulengo e o cavalo marinho.
A primeira Cavalgada à pedra do Reino aconteceu em setembro de 1993, por iniciativa do belmontense Ernesto Carvalho. A segunda Cavalgada foi em junho de 1994. Até então, não se atentava para a relação entre a obra de Ariano Suassuna e as Cavalgadas. Tratava-se de um simples passeio equestre entre amigos: uma aventura.
A partir de 1995, com a criação da Associação Cultural Pedra do Reino, que passa a organizar a Cavalgada todo ano, o evento muda de figura. Nesta ocasião, Suassuna foi convidado a comparecer, e junto com ele foram muitos jornalistas de diversos veículos da imprensa. A festividade “precisava” incorporar mais pompa e brilho!
Desde 1995, sempre no último fim de semana de maio (mesma época em que houve o trágico desfecho do Reino Encantado da Pedra Bonita) ocorre a Festa da Cavalgada em São José do Belmonte. Inúmeras atrações - bandas de pífano, grupos de Reisado, bandas filarmônicas - acontecem nas praças e ruas, gratuitamente. Grandes shows são contratados para o palco montado na Praça de Eventos. Na tarde de sábado, no estádio de futebol, ocorre a Cavalhada, elemento medieval em sincretismo com a cultura do vaqueiro nordestino e suas habilidades de montaria.
No domingo de manhã temos a Cavalgada em si. É aberta a quem quiser participar. O cortejo sai às seis da manhã, em frente à igreja matriz, onde recebe a benção na missa. Mesmo não reconhecendo o sebastianismo, a Igreja católica reza a missa em memória aos mortos de 1838, tanto sebastianistas quanto os combatentes que para lá marcharam.
Em seguida, eles cavalgam por uma estrada própria até chegar, pela hora do almoço, na Pedra do Reino. Ao chegarem, há uma teatralização. Adentram primeiro o rei e a rainha, em seguida os pares de França, e depois outros personagens, como o padre, o cangaceiro, o coronel, o doutor, e o soldado. A Cavalgada à Pedra do Reino é um espetáculo capaz de sintetizar as temporalidades históricas anteriores! Em 2020 e em 2021, pela primeira vez desde 1993, não houve Cavalgada, devido à Pandemia do Corona Vírus. Espera-se que para 2022 possamos retomar essa tradição.
Reitor
Prof. Dr. Ricardo Marcelo Fonseca
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Dr. Rodrigo Arantes Reis
Diretora
Profa. Dra. Laura Pérez Gil
Vice-diretora
Bruna Marina Portela
Textos e Curadoria da Exposição Virtual
Guilherme Trancozo
Orientação
Luiz Geraldo Silva
Co-orientação
Bruna Marina Portela
Programação
Marlon André Peron Generoso
Oriana Lea Di Monaco
Web Design
Oriana Lea Di Monaco
Divulgação
Fábio L. G. Marcolino
Douglas Fróis
Pedro Branco Kreuzer